Farinha pouca...

Por
A.Simas (Ornitófilo)

Diz o dito popular “Farinha pouca, meu pirão primeiro!” A escassez ou fartura de alimentos disponíveis influi diretamente na criação de pássaros e de outros animais, regulando a quantidade de ovos e de filhotes. A atividade reprodutiva, além de exigir dos reprodutores o dispêndio de mais energia do que o normal, também multiplica o consumo de alimentos para garantir a sobrevivência e desenvolvimento da prole. Desta forma, se a oferta de alimentos é pequena, a procriação será prejudicada e os pais percebem isto, reduzindo suas ninhadas para ter êxito na criação dos filhotes.

Por incrível que pareça, como consequência da escassez de alimentos, alguns pássaros podem não “aprontar” ou deixar de alimentar seus filhotes. Até acontece de as fêmeas reduzirem a quantidade de ovos e de posturas ou simplesmente sequer botarem ovos. 


Segundo alguns teóricos, os filhotes criados nessas condições pouco favoráveis herdam geneticamente esta informação e, no ano seguinte, na época de reprodução, serão pouco prolíferos, mesmo que a oferta de alimentos seja grande.  Outros afirmam que os animais em liberdade têm a capacidade de prever quão satisfatória será a disponibilidade de alimentos na natureza, na próxima estação de cria, fazendo o “planejamento familiar”, ou seja, dimensionando sua prole em função desta previsão.

Outro fator que afeta diretamente na quantidade de filhotes produzidos é a superpopulação ou, como os estudiosos preferem dizer, o “apinhamento”, o que também está relacionado à disponibilidade de alimentos, pois mesmo que a oferta seja grande, haverá muita disputa no consumo, reduzindo a possibilidade de sobrevivência e, segundo a teoria de Lack, a seleção natural ajustará o tamanho da ninhada de modo a aproveitar ao máximo os recursos existentes.

Quando um membro de uma ninhada é mais fraco ou menor do que os demais, incapaz de lutar pelo alimento com tanto vigor quanto os outros, geralmente morre porque os maiores monopolizam o alimento e o menor nem sempre é contemplado, até não abrir mais o bico, deliberadamente ou por estar muito debilitado, vindo a sucumbir.

A suposição é que este filhote, devido ao instinto de sobrevivência, deveria continuar lutando até o fim, mas para Dawkins, em sua teoria do Gene Egoísta, ocorre o oposto:
“Logo que o filhote pequeno torna-se tão fraco que sua expectativa de vida fica reduzida ao ponto no qual o benefício para ele devido ao investimento parental é menor do que metade do benefício que o mesmo investimento poderia, potencialmente, conferir aos outros filhotes, ele deveria morrer voluntária e dignamente. Fazendo-o ele beneficiará seus genes ao máximo. Isto é, um gene que dá a seguinte instrução, “Corpo, se você é muito menor do que seus companheiros de ninhada, desista da luta e morra”, poderia se tornar bem sucedido no “fundo”, pois ele tem 50 por cento de probabilidade de estar no corpo de cada irmão salvo, e sua chance de sobreviver no corpo do filhote fraco é, de qualquer forma, muito pequena. Deveria haver um ponto de retorno impossível na carreira de um filhote fraco. Antes de ele atingir esse ponto deveria continuar lutando. Assim que ele o alcança deveria desistir e, de preferência, se deixar comer pelos companheiros de ninhada ou pelos pais.”
Pode parecer uma atitude altruísta, mas na verdade é puro egoismo do gene que prefere sacrificar um ser para beneficiar os demais. Deixar morrer talvez seja o mais natural, porém, contrariando as leis da natureza, o homem intervém, alimentando este filhote à força ou o transferindo para outro ninho, com filhotes do mesmo tamanho ou para uma ama-seca. Até onde esta prática é salutar? Será benigno salvar um filhote fraco, ou estaremos favorecendo a perpetuação um gene deletério? Quando transferido de ninho, o filhote costuma reagir, voltando a lutar pela vida, talvez porque, segundo essa teoria, os genes dos outros filhotes sejam diferentes do seu. Na maioria das vezes, este filhote, condenado à morte, é saudável tanto quanto seus irmãos, apenas teve o azar de nascer depois, geralmente do último ovo que a fêmea botou um dia após ter iniciado o choco. Daí a recomendação de retirar-se diariamente os ovos, para iniciar o choco de todos os ovos no mesmo dia, após a oviposição do último ovo. Assim os filhotes disputarão o alimento em igualdade de condições.

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Fonte: Revista 3C - Ano MMXVII – nº. 102 - Pág. 19.

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