IBAMA, Autarquia ou ONG?

"Texto distribuído aos presentes na reunião realizada No Distrito Federal entre passarinheiros e parlamentares no Clube SEDESO de Sobradinho, contando com a presença de 2 senadores 2 deputados e mais de 300 criadores"

O esforço preservacionista recorre sistematicamente à reprodução em cativeiro para evitar a extinção das espécies. Colhemos exemplos bem-sucedidos pelo mundo todo. O moderno zoológico de Hellabrunn, em Munique, na Alemanha, é um dos mais interessantes projetos de recuperação e criação de espécies em perigo. Com investimentos da ordem de milhões de dólares já conseguiu, por exemplo, garantir a sobrevivência do przewalski, uma sub-espécie de cavalos selvagens originários da Mongólia descobertos por volta de 1870 por um explorador russo. A China, com modernas técnicas de inseminação artificial, salvou o panda gigante da extinção.


A demanda do mercado internacional por animais de estimação elevou o tráfico de espécimes coletados na natureza à condição de terceira maior atividade de contrabando no mundo, perdendo apenas para as drogas e para o armamento. Estima-se que o Brasil participe desse mercado com até 38 milhões de espécimes coletados na natureza anualmente (dados extraídos do site do IBAMA).

O mercado interno ilegal também contabiliza números expressivos. Dez milhões de brasileiros mantêm cativos, ao menos, um animal de nossa fauna nativa. Apenas em feiras da cidade do Rio de Janeiro são comercializados 8 mil espécimes a cada final de semana. A pressão da caça predatória torna-se demasiada sobre a nossa fauna nativa, que já dá sinais de esgotamento eminente.

O maior instrumento para a reversão desse quadro, a Lei nº 9.605, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, sancionada, com grande espalhafato, em 12 de Fevereiro de 1998, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, mostrou-se um enorme engodo. Somente os fiscais do IBAMA lavraram em 2007, 5.633 autos de infração, referentes a fauna silvestre, sem que um único infrator tenha ficado preso. Os milhões de dólares movimentados pelo mercado ilegal encontram oposição em penas que vão do pagamento de cestas básicas à prestação de algumas horas de trabalho comunitário.

Caçar e traficar espécimes de nossa fauna nativa é um crime que compensa.

Se a Lei de Crimes Ambientais mostrou-se branda na prática, o conjunto de Portarias e Instruções Normativas publicado pelo IBAMA para regulamentar a manutenção, a reprodução em cativeiro e a comercialização de animais de nossa fauna silvestre torna-se cada vez mais restritivo.

Cerca de 200 mil criadores estão cadastrados no SISPASS. Esses criadores detêm a posse de pouco mais de dois milhões de pássaros, dos quais 35% são curiós e bicudos, praticamente extintos na natureza.

Em 1988, a Portaria n° 131 restringiu a possibilidade de criação pelo seguimento amadorista apenas aos passeriformes. A portaria n° 631, de 18 de março de 1991, limitou a possibilidade de criação a 316 espécies. A publicação da Instrução Normativa n° 01, em 24 de Janeiro de 2003, reduziu para 151 o número de espécies que podem ser mantidas por criadores amadoristas.

O principal argumento para as restrições cada vez maiores da atividade de manutenção e reprodução de nossos pássaros em ambiente doméstico é a possibilidade das anilhas, fornecidas pelo IBAMA aos criadores legais, irem parar nas mãos de caçadores e traficantes, que poderiam emprega-las em aves capturadas da natureza.

Não é necessário ser um grande matemático para perceber que os 2 milhões de pássaros que são mantidos pelos criadores registrados têm pequena representatividade em um universo de 38 milhões de animais retirados da natureza anualmente. Para o mercado clandestino, a existência ou não de anilha de identificação não faz grande diferença.

Se as anilhas distribuídas podem ser adulteradas e empregadas na identificação de pássaros coletados na natureza, deve-se também à falta de qualidade no material com que são confeccionadas. O custo das anilhas distribuídas é totalmente repassado para os interessados, sem qualquer ônus para o Estado. Se fossem confeccionadas em aço inoxidável ou porcelana, dificultariam as adulterações. Grande parte dos criatórios comerciais, aos quais é concedido o direito de aquisição de anilhas diretamente dos fabricantes, já emprega anilhas de aço. Nesse descaso, o IBAMA poderá ser acusado de conivência.

Uma política que não estimula a atividade de reprodução em cativeiro é a negação do compromisso assumido pelo Brasil na Convenção sobre Diversidade Biológica da CNUMAD (Rio 92) e dos princípios e diretrizes de Addis Abeba para o uso sustentável da biodiversidade, onde foi consenso entre todos os representantes de mais de 150 nações que a reprodução ex-situ de animais das faunas silvestres em criatórios legalizados se configura em importante instrumento para a garantia de preservação das espécies e para a diminuição da captura e tráfico de animais silvestres.

A situação atual é gravíssima. Um relatório da União pela Preservação da Natureza (IUCN), publicado pela BBC de Londres, junta o Brasil à Austrália, México, China e Indonésia em um grupo dos cinco países com maior número de espécies ameaçadas de extinção. Também reúne o Brasil à China, Índia, Equador e República dos Camarões como exemplos de falta de investimentos na preservação.

Temos uma centena de espécies de aves em risco de extinção. O Decreto 42.838, de 04 de fevereiro de 1998, do governo de São Paulo, publicou uma lista oficial com 21 espécies de aves extintas em seu território e com outras 46 em risco crítico de extinção. De 1998 até hoje, a única coisa que mudou no meio ambiente do estado foi o aumento da área plantada com cana-de-açúcar.

Necessitamos de todos os elementos na luta pela preservação. A sociedade precisa compreender a importância do trabalho dos que se dedicam à reprodução dos pássaros de nossa fauna em ambiente doméstico, dissociando-os dos que a agridem. A reprodução de espécimes em ambiente doméstico há varias gerações vem diminuindo a pressão da caça predatória sobre a natureza. Muitas espécies poderão ser preservadas dessa forma.

Uma corrente filosófica contrária à manutenção e à reprodução em ambiente doméstico de espécies de nossa fauna nativa vem ganhando corpo dentro dos quadros do IBAMA, defendendo conceitos preservacionistas da década de 1980, quando ainda não estava na pauta das discussões internacionais a proposta de uso sustentável da fauna nativa. Essa corrente ganhou força no IBAMA durante o período em que a senadora Marina Silva esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente, com uma proposta preservacionista radical e de implementação completamente fora da realidade. Era a política ultra-radical do não para tudo.

É perfeitamente aceitável que qualquer funcionário do IBAMA defenda seu ponto vista pessoal sobre qualquer aspecto da política preservacionista. Não é aceitável, no entanto, que o IBAMA implemente normatização que vá de encontro aos compromissos assumidos pelo Estado com a Comunidade Internacional. Não é aceitável que o IBAMA publique normatização ao arrepio da legislação vigente no Pais. Não é aceitável que funcionários do IBAMA efetuem militância na defesa de seus pontos de vista pessoais valendo-se das suas prerrogativas funcionais. Não é aceitável que o IBAMA invista recursos públicos em campanhas publicitárias que levam a população a confundir o criador legalizado com o traficante de pássaros.

O IBAMA é o principal instrumento do governo para implementação da política preservacionista determinada pelo Protocolo de Kyoto, do qual o Brasil é signatário, promovendo o uso sustentável de nossa fauna nativa.

Encarregado de normatizar procedimentos que facilitem o registro e o controle da reprodução ex-situ de silvestres o IBAMA agigantou-se, extrapolou sua esfera de atribuições e vem publicando, sistematicamente, novas Instruções Normativas, sem compromisso com a política ambiental de fomento ao uso sustentável dos recursos naturais, com a qual o Brasil está comprometido junto a comunidade mundial. As suas normativas negam o princípio do direito adquirido e de outros direitos concedidos pela legislação vigente. Ferem princípios de direito à posse e a propriedade, garantidos pelo Código Civil. O IBAMA demonstra ter se esquecido de que mudanças mais profundas devem ser submetidas ao Poder Legislativo, onde a sociedade será ouvida através de seus representantes no Congresso Nacional. Esse é um pressuposto básico do regime democrático.

Clóvis Pereira Neves
Criador amadorista de pássaros

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